sexta-feira, 31 de março de 2017

Uma rua, mil lembranças

(Foto: José Filipe / Fim de tarde na Rua Escritora Myriam Coeli)

Letícia França

Quando recebi a missão de escrever sobre a rua na qual resido, automaticamente passei a observá-la com novos olhos. Percebi os detalhes que, até então, nunca tinham chamado a minha atenção. Forcei-me a ressaltar suas qualidades e investigar a sua história. O engraçado é que, em um primeiro instante, achei que não teria o que falar sobre ela; afinal, o que pode ter de tão interessante em uma rua a ponto de se escrever sobre isso? Após muito pensar, descobri que todo e qualquer assunto, independentemente de seu teor, pode render ótimos textos. Basta, para isso, usar a criatividade a seu favor.  
Passado esse momento de reflexão, vamos finalmente falar sobre ela: a simples, singela e acolhedora Rua Escritora Myriam Coeli. Localizada na zona oeste da cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, possui duas extremidades bastante distintas, as quais são delimitadas pelo cruzamento com a Avenida Potiguares. Por causa disso, além de aparentar serem duas ruas em uma só, essas extremidades pertencem cada qual a um bairro: Lagoa Nova e Dix-Sept Rosado. Por isso, nunca sei dizer exatamente em qual bairro moro. Meus vizinhos dizem que moramos em Lagoa Nova, mas as correspondências que chegam pelos Correios sempre ditam Dix-Sept Rosado. É confuso, mas no final o que importa é que: resido na Rua Escritora Myriam Coeli, e que honra tenho disso! 
Honra? Explico! Pesquisando a biografia da escritora que dá nome ao endereço da minha casa, descobri fatos admiráveis sobre ela: Myriam Coeli nasceu na região Norte do país, em 1926, mas com apenas dois meses de idade mudou-se para São José do Mipibu/RN, local onde viveu por anos. Teve uma vida acadêmica exemplar e destacou-se como sendo um dos nomes mais representativos da intelectualidade potiguar. Sempre lidou bem com as palavras, fato que fez dela professora, poetisa e jornalista. Numa época em que as redações dos jornais era lugar quase exclusivo para homens, Myriam Coeli conseguiu seu espaço e honrou sua profissão de jornalista, sendo – segundo relatos – a primeira mulher do Rio Grande do Norte a atuar nessa área.  
O mais interessante é que só agora tive a curiosidade de pesquisar sobre a escritora e tamanha foi a minha surpresa ao descobrir sua atuação no jornalismo. E, mais que isso, perceber que ela dá nome à rua em que moro desde a minha infância – época em que eu, apesar da pouca idade, decidi o que eu queria ser quando crescesse: isso mesmo, jornalista! Coincidência ou destino? Não sei! Mas vamos continuar esse texto, pois ainda tenho muito a falar (quem diria, né?). 
Paralelepípedos tortos e alguns buracos pelo caminho trazem consigo muitas histórias para contar. Os vizinhos, hoje beirando a velhice, se conhecem desde a infância. Meu pai, por exemplo, tinha apenas sete anos de idade quando se mudou para lá com os meus avós. Com muito esforço, construíram uma grande casa na extremidade de Dix-Sept Rosado, abrigando, por muito tempo, cinco filhos e mais os primos agregados. Quando nasci, meu pai construiu um primeiro andar em cima dessa casa e moramos por lá durante anos. Tive uma infância memorável! Diferentemente dos dias atuais, lugar de brincar era na rua e os meus melhores amigos eram as crianças da vizinhança. Toda tarde, a rua Escritora Myriam Coeli virava casinha de boneca, campo de futebol, escolinha, pista de corrida, ciclovia etc. Inúmeras eram as brincadeiras e a diversão era sempre garantida. Por vezes, chão cinza da rua fez sangrar o meu joelho, mas as cicatrizes que ficaram me fazem lembrar com carinho de uma Myriam Coeli que, infelizmente, não volta mais.  
Quando eu tinha por volta dos onze anos, a minha família decidiu se mudar. Foi como um parto para mim. Dar adeus não foi nada fácil! Demorei para me acostumar a viver em um novo endereço, onde não havia os mesmos vizinhos, nem a mesma tranquilidade, nem os mesmos paralelepípedos tortos; não havia mais a capelinha das missas aos domingos, nem o mercadinho de “Seu Damião” para comprar o lanche da tarde. O novo endereço era feito de asfalto, trânsito e movimentação. Andar de bicicleta? Nem pensar! Brincar com os vizinhos? Jamais, eu nem sabia o nome deles!  
Mas a saudade nos fez voltar. Em 2013, o meu pai construiu uma nova casa para a nossa família. Na mesma rua Myriam Coeli, porém, dessa vez, na outra extremidade: Lagoa Nova. A única semelhança são os paralelepípedos tortos, visto que os vizinhos se mudaram, a tranquilidade deu lugar à insegurança e o silêncio nas calçadas denuncia que não há mais crianças brincando por lá. Infelizmente, andamos com medo e apressados; e os portões vivem sempre trancados. Apesar de tudo isso, no entanto, a Rua Escritora Myriam Coeli continua sendo o meu lar, que abriga mil lembranças boas e que me presenteia, todos os dias, com um pôr do sol bonito de se ver.  

*Texto produzido para a disciplina de Laboratório de Linguagem Jornalística, do curso de Jornalismo da UFRN. 

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